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O Efeito Fantástico virou o “Efeito Nikolas-Felca”

O Efeito Fantástico virou o “Efeito Nikolas-Felca”

Há uma regra não escrita em Brasília: quando uma matéria bombástica aparece no Fantástico no domingo, a matéria ganha tração no Congresso. A Rede Globo, ciente de sua força, já usou essa estratégia inúmeras vezes para pautar o Congresso. É o que se chama de Efeito Fantástico.

Essa lógica já entrou em ação dezenas de vezes. A Globo apresenta uma bomba. Os parlamentares indignados com a notícia ou interessados na popularidade apresentam projetos de lei. Os presidentes de comissão pautam projetos sobre a matéria. Líderes sobem à tribuna e fazem discursos inflamados. Às vezes o projeto vira lei

Mas, recentemente, o Efeito Fantástico perdeu seu punch. Quando a Globo decidiu apostar pesado na aprovação do PL 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, a emissora produziu uma reportagem impactante sobre o app Discord. A reportagem expôs casos repugnantes de jovens envolvidos em situações de violência e abuso na plataforma. A intenção era clara: comover a opinião pública, criar pressão política e acelerar a tramitação do projeto. A matéria repercutiu — mas não o suficiente. Deputados da direita, especialmente aqueles com presença digital consolidada, não se deixaram dobrar pela narrativa televisiva e o projeto acabou engavetado.

E aqui entra um novo elemento na equação: a ascensão de figuras como Nikolas Ferreira, que têm usado as redes sociais para lançar seus próprios “plantões” e “bombas” diretamente para milhões de seguidores, sem o filtro da imprensa tradicional. Seus vídeos, muitas vezes gravados de forma simples, geram engajamento, indignação e mobilização quase imediata — com custo zero e efeito real no termômetro político. Em vídeo sobre o Pix, Nikolas atingiu mais de 300 milhões de visualizações únicas e fez o governo pivotar sua estratégia.

Outro episódio de vídeo on-line pautando Brasília chama a atenção. O influenciador Felca publicou vídeo no YouTube denunciando a “adultização” e a exploração de menores nas redes. Em poucos dias a publicação atingiu 30 milhões de visualizações. A repercussão foi tão grande que mais de 27 projetos de lei foram apresentados em menos em 72h. Hugo Motta, presidente da Câmara, anunciou em seguida que o plenário da Câmara pautaria a regulação das redes quanto a crianças e adolescentes.

O fenômeno não é novo, mas o último caso é revelador. A força descentralizada das redes é tão forte que as próprias plataformas digitais ficaram sob pressão legislativa por um vídeo on-line. Antes do caso da “adultização“, o youtuber Felca já havia feito exposições contundentes — incluindo críticas à CPI das Bets, chamando atenção para práticas suspeitas no setor de apostas online, e ganhando a atenção da relatora, Senadora Soraya Thronicke. Ou seja, o Efeito Nikolas-Felca não é um acidente, mas um padrão: denúncias feitas de forma independente, publicadas diretamente nas redes e capazes de acionar a máquina legislativa sem intermediação da imprensa tradicional.

Na política, temperatura importa. Tanto o Efeito Fantástico quanto o Efeito Nikolas-Felca têm a mesma consequência: jogar luz em um tema, aumentando a temperatura da pauta. Mas a versão televisiva e a versão on-line também têm suas diferenças. O Efeito Fantástico dependia de uma engrenagem vertical e centralizada. O Efeito Nikolas-Felca é descentralizado, imprevisível e, muitas vezes, mais alinhado aos anseios da sociedade. Brasília, que durante décadas afinou o ouvido para o tom da Globo, agora precisa lidar com a cacofonia — e a força — das vozes digitais.

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