Avaliar a capacidade de um governo em impor sua agenda por meio das medidas provisórias (MPs) é essencial para entender sua governabilidade e articulação política. As MPs, que permitem ao Executivo editar normas com força de lei, precisam ser convertidas pelo Congresso, exigindo negociações e apoio parlamentar. A aprovação ou rejeição dessas MPs revela a solidez da base governista e a habilidade de lidar com um Legislativo muitas vezes fragmentado. Com o objetivo de aprofundar essa análise e medir a eficiência dos governos em transformar suas prioridades em leis, a Agência Nabuco decidiu examinar o número de MPs apresentadas e convertidas por cada administração.
A análise conduzida pela Agência Nabuco tomou como marco temporal inicial a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, em 11 de setembro de 2001. A partir dela, foram estabelecidas novas regras para a edição e tramitação de medidas provisórias (MPs) no Brasil. Com a EC 32/2001, as MPs passaram a ter validade de 60 dias, podendo ser prorrogadas por mais 60 dias caso não sejam votadas dentro do período inicial. Além disso, a emenda proibiu a reedição de MPs sobre o mesmo tema na mesma sessão legislativa, uma prática comum antes da EC 32. Antes dessas mudanças, o Executivo podia manter MPs em vigor por tempo indeterminado, simplesmente reeditando-as continuamente. Isso enfraquecia o papel do Legislativo, uma vez que o Congresso não era pressionado a deliberar sobre o tema. Desde então, ao longo de diversas administrações, o índice de conversão de MPs em lei tem oscilado, refletindo a capacidade de articulação política do governo de turno.
Ao analisar as medidas provisórias apresentadas até setembro de 2024, o governo Lula 3 destaca-se pelo baixo desempenho: apenas 12 MPs foram convertidas em lei, enquanto 55 perderam a eficácia, resultando em um índice de conversão de apenas 17,9%. Para efeito de comparação, os governos anteriores de Lula (Lula 1 e Lula 2) apresentaram 239 e 180 MPs no total, das quais 216 (90,4%) e 150 (83,3%) foram convertidas em lei.
Por outro lado, o governo de Lula 3 também foi a administração que menos apresentou medidas provisórias. Desde o início do mandato até hoje (setembro de 2024), foram apresentadas 67 medidas provisórias, das quais 34 ainda estão em período de tramitação, ou seja, dependem de votação para serem convertidas em lei ou perderem sua eficácia. Considerando que até o momento apenas 12 MPs foram convertidas, é possível que o número de medidas que perderão eficácia aumente.
De um modo ou outro, a comparação entre os governos revela que Lula 3 enfrenta o pior desempenho desde a implementação da EC 32, tanto em número de MPs convertidas quanto no percentual de conversão. Isso pode refletir desafios de articulação política e um cenário legislativo mais polarizado, tornando mais difícil a negociação de apoio no Congresso. Em contraste, os governos Lula 1 e Lula 2, demonstraram a maior eficiência na aprovação de suas medidas. A administração Bolsonaro e Lula converteram 57,5% e 55,6% respectivamente. Os governos Dilma 1 e 2 converteram 74,5% e 74,0%.
Conversão e Apresentação de Medidas Provisórias por Administração:
Administração | Total de MPs Apresentadas | Convertida em Lei | % de Conversão | Perdeu a Eficácia |
---|---|---|---|---|
FHC 2 | 102 | 84 | 82,4% | 18 |
Lula 1 | 239 | 216 | 90,4% | 23 |
Lula 2 | 180 | 150 | 83,3% | 30 |
Dilma 1 | 145 | 108 | 74,5% | 37 |
Dilma 2 | 77 | 57 | 74,0% | 20 |
Temer | 126 | 70 | 55,6% | 56 |
Bolsonaro | 285 | 164 | 57,5% | 121 |
Lula 3 | 69 | 13 | 18,8% | 56 |
O atual cenário aponta para uma mudança significativa na capacidade de governar por meio de MPs, refletindo os desafios contemporâneos de negociação e governabilidade no Brasil. A análise dos números de medidas provisórias ao longo das administrações evidencia uma mudança significativa na capacidade de articulação política, especialmente no governo Lula 3, que apresenta até o momento o menor índice de conversão desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 32. Excluindo-se do cálculo as MPs ainda em período de eficácia, Lula 3 alcança o percentual de apenas 18,8% de conversão, refletindo um contexto legislativo mais polarizado e um ambiente político desafiador.
Comparado aos governos anteriores, que converteram a maioria de suas MPs, o governo Lula 3 enfrenta dificuldades consideráveis na negociação com o Congresso. Esse cenário indica que a governabilidade por meio de medidas provisórias está em declínio, ressaltando a importância de uma base de apoio parlamentar sólida e de estratégias mais eficazes para a aprovação de pautas prioritárias.
Veja o gráfico dinâmico elaborado pela equipe de dados da Agência Nabuco. Para acessar o gráfico em sua totalidade é recomendável o uso de tablets ou computadores.
Medidas Provisórias (Set/2001 a Set/2024)
Fonte: Elaboração própria.