A Janela de Overton é uma teoria que descreve o intervalo de ideias que são aceitáveis no discurso público em um dado momento. Ela serve como uma ferramenta para entender como certas políticas e propostas se movem do extremo, considerado “impensável”, para o centro do debate político, onde se tornam aceitas e adotadas. Desta forma, a teoria da Janela de Overton é útil tanto para ONGs defendendo causas ou empresas que tratam de temas que ainda precisam arrematar o apoio popular.
O conceito foi desenvolvido por Joseph P. Overton, um analista político norte-americano. Overton criou essa teoria para descrever como o público aceita ou rejeita diferentes políticas ao longo do tempo. A “janela” refere-se ao espectro de ideias que são consideradas politicamente viáveis em determinado momento, enquanto outras ideias ficam fora desse intervalo, sendo vistas como extremas ou impensáveis.
Funcionamento da Janela de Overton
Segundo a teoria da Janela de Overton, as ideias passam por seis estágios à medida que são aceitas ou rejeitadas pela sociedade:
- Impensável – A ideia é amplamente rejeitada e nem é considerada.
- Radical – A ideia começa a aparecer no discurso, mas ainda é vista como extrema.
- Aceitável – A ideia passa a ser discutida como uma possibilidade.
- Sensato – A ideia ganha mais apoio e começa a ser vista como uma alternativa viável.
- Popular – A ideia é amplamente aceita pela maioria da população.
- Política Pública – A ideia se torna parte das políticas públicas ou da legislação – status quo.
Esses estágios ajudam a entender como políticas públicas mudam ao longo do tempo, não de forma abrupta, mas em um processo gradual de aceitação social. Com o tempo, e por meio de campanhas e influências sociais, uma ideia pode se mover de “Impensável” até “Política Pública” dentro dessa janela.
Por que isso é importante para campanhas de advocacy?
Quando você trabalha com advocacy e lobby, seu objetivo é influenciar a opinião pública e os formuladores de políticas sobre certos temas. No entanto, nem todas as ideias podem ser defendidas publicamente de imediato. Para serem eficazes, é necessário entender em que ponto da Janela de Overton sua proposta se encontra e, a partir disso, desenvolver estratégias para mover essa ideia para dentro do espectro “politicamente aceitável”.
Toda ideia é impensável até que alguém a fale publicamente. Então, uma ideia que hoje parece radical pode, com o tempo, tornar-se politicamente viável se for apresentada de forma gradual e estratégica, mudando lentamente a percepção pública. Com a Janela de Overton em mente, é possível calibrar mensagens e timing de ações, trabalhando não apenas para transformar a opinião pública, mas também para explorar janelas de oportunidade quando os temas estão no auge do debate público.
Exemplo prático 1: Legalização de Substâncias
Nos anos 90, a ideia de legalizar o uso recreativo de certas substâncias era considerada impensável em muitos países. No entanto, defensores da causa começaram a usar estratégias para mudar a percepção pública, falando sobre o uso medicinal e a redução da criminalidade. Aos poucos, essa ideia avançou para o estágio de radical e depois aceitável. Hoje, em vários lugares pelo mundo, a legalização já alcançou o estágio de política pública, com leis aprovadas e regulamentadas.
Porém, essa posição não é estática. Após alguns anos, há também movimento contrário de repensar a legalização em certos estados americanos, o que mostra que uma ideia pode também pendular na janela. Isso significa que, com o tempo, o que era aceito pode voltar a ser contestado, dependendo das circunstâncias sociais e políticas.
Quem movimenta a Janela de Overton?
Embora os políticos possam eventualmente legislar ou tomar ações com base em mudanças nas percepções, eles são frequentemente reativos, em vez de proativos, nesse processo. Eles, em grande parte, reagem às demandas de seus eleitores. É o que aconteceu por muito tempo, por exemplo, com o “Efeito Fantástico“. Quando um tema se tornava pauta no programa de domingo da Rede Globo era comum que na segunda-feira seguinte aparecessem projetos de lei tratando sobre o tema. Hoje o mesmo acontece após reações nas redes sociais.
O que importa é que quem realmente movimenta a janela são formadores de opinião, ONGs, movimentos populares e a mídia, que influenciam a percepção pública. Quando a sociedade começa a aceitar uma ideia, os políticos seguem essa tendência.
Os principais agentes que movem a Janela de Overton incluem:
- Formadores de Opinião: Intelectuais, acadêmicos, líderes religiosos, figuras públicas e especialistas frequentemente introduzem e validam novas ideias, moldando a maneira como a sociedade pensa sobre questões específicas. Ao propor novas teorias, conceitos ou visões de mundo, eles podem começar a deslocar o que é considerado aceitável no discurso público.
- Movimentos Populares: Movimentos sociais e ativistas desempenham um papel crucial ao defender causas que, inicialmente, podem ser vistas como radicais. Com campanhas eficazes, protestos, advocacy e pressão social, esses movimentos podem alterar o pensamento dominante.
- Organizações Não-Governamentais (ONGs): ONGs também influenciam a Janela de Overton ao fazer lobby para certas causas, realizar campanhas de conscientização e fornecer pesquisas e dados que respaldam novas propostas. Muitas vezes, as ONGs possuem o foco e os recursos necessários para introduzir ideias que políticos, por si só, hesitariam em adotar.
- Mídia Tradicional e Digital: A mídia, tanto tradicional quanto digital, tem um papel importante na divulgação de ideias e na definição do que é ou não aceitável discutir. Ao cobrir certos temas, promover debates e dar voz a diferentes grupos, a mídia ajuda a moldar o debate público. Com o advento das redes sociais, essa dinâmica foi ampliada, permitindo que mais vozes influenciem o discurso de maneira descentralizada e acelerada.
- Cultura Popular: Filmes, séries de TV, música e outras formas de arte são ferramentas poderosas para sensibilizar o público em torno de questões sociais e políticas. A introdução de novas narrativas e representações na cultura popular pode tornar temas polêmicos mais palatáveis e, eventualmente, aceitáveis.
Exemplo prático 2: Taxa da Blusinha
No primeiro semestre de 2023, o governo Lula começou a discutir o fim da isenção de impostos para importações de até US$ 50 (R$ 250) por pessoas físicas. Essa proposta gerou grande repercussão nas redes sociais, pois impactaria diretamente consumidores de lojas virtuais populares no Brasil, como Shein, Shopee e AliExpress.
No Twitter, a discussão rapidamente ganhou força, espalhando-se por diversos tópicos. Até abril de 2023, a Shein foi mencionada em mais de 45 mil publicações, enquanto a Shopee somou mais de 80 mil menções. A hashtag “US$50” acumulou quase 27 mil postagens, seguida por “Janja” (23 mil) e “Haddad” (14 mil).
Essa intensa movimentação nas redes sociais conseguiu adiar a iniciativa do governo por vários meses. Contudo, em junho de 2024, o legislativo assumiu a questão e aprovou a chamada “taxa das blusinhas”. A medida, no entanto, estabeleceu uma saída intermediária: taxa de 20% para produtos com valor entre US$ 0 e US$ 50, e uma alíquota de 60% para compras entre US$ 50,01 e US$ 3 mil.
Como driblam a Janela de Overton?
Embora a Janela de Overton descreva o intervalo de ideias que a sociedade considera aceitáveis em um dado momento, atores políticos ou legislativos podem, em certas circunstâncias, tentar avançar propostas fora dessa janela sem despertar grande oposição pública. Driblar a Janela de Overton envolve atuar estrategicamente para aprovar medidas que, por si só, poderiam ser polêmicas ou impopulares, mas que, ao serem ofuscadas ou ocultadas, conseguem escapar de um escrutínio mais rígido.
Aqui estão algumas das táticas mais comuns usadas para driblar a Janela de Overton:
- Votações Relâmpago: Uma das formas mais eficazes de aprovar propostas impopulares é por meio de votações rápidas, realizadas em momentos de baixa atenção pública ou durante crises que desviam o foco da população. Votações desse tipo podem ocorrer durante períodos noturnos, feriados ou enquanto a mídia e o público estão concentrados em outros eventos mais urgentes. Com isso, as propostas passam despercebidas ou enfrentam pouca resistência até que se tornem realidade.
- Embutir Propostas em Pacotes Maiores: Outra estratégia comum é inserir propostas controversas dentro de pacotes legislativos maiores e mais complexos. Esse método é especialmente eficaz quando a proposta é acoplada a medidas amplamente apoiadas, como programas de incentivo econômico, políticas de saúde pública ou medidas de segurança nacional. Ao diluir o impacto de uma proposta específica dentro de um conjunto mais amplo, ela se torna menos visível e menos suscetível a ser alvo de críticas isoladas.
- Acoplamento a Propostas Populares: Para minimizar a atenção ou a oposição, medidas podem ser vinculadas a propostas populares e amplamente aceitas pela sociedade. Isso gera uma pressão positiva para aprovação geral do projeto, sem permitir que o debate se concentre na proposta controversa acoplada. Por exemplo, legislações que envolvem aumento de direitos ou benefícios podem incluir emendas que beneficiam grupos ou interesses específicos, que passariam despercebidos.
- Uso de Linguagem Técnica e Complexa: Muitas vezes, o uso de uma linguagem jurídica ou técnica excessivamente complicada pode ser uma tática para evitar que o público entenda facilmente o que está sendo proposto. Dessa forma, a proposta escapa do radar da mídia e da opinião pública, enquanto apenas aqueles mais especializados no tema conseguem perceber seu verdadeiro impacto. Essa prática pode tornar a discussão em torno do tema mais difícil e afastar a atenção pública.
- Desvio de Atenção com Temas Polêmicos: Criar ou fomentar discussões sobre temas polarizadores e emocionais é outra forma de desviar o foco da mídia e da sociedade sobre assuntos que não estão dentro da Janela de Overton. Enquanto o público se concentra em questões de grande impacto emocional, como temas culturais ou crises momentâneas, propostas menos aceitas podem avançar silenciosamente nos bastidores políticos.
Essas estratégias permitem que ideias que, em um primeiro momento, estariam fora do espectro de aceitação pública consigam ser implementadas sem o desgaste político e social que um debate aberto traria. No entanto, essa prática pode ser criticada por minar o processo democrático, já que evita o necessário debate público e a transparência nas decisões.
Conclusão
A Janela de Overton oferece uma visão estratégica essencial para a atuação da Nabuco em campanhas de advocacy e lobby. Ao compreender como as ideias se movem dentro do espectro de aceitação pública, é possível identificar os momentos ideais para promover propostas que, inicialmente, poderiam parecer inviáveis. A análise cuidadosa do ambiente social e político, combinada com ações bem planejadas, permite que a Nabuco ajude seus clientes a avançar ou refrear agendas complexas de forma eficaz e consciente.